quinta-feira, 17 de março de 2011

PAPO SOBRE RODAS

Qual o seu nome, idade?

William Lopes Trindade, 21 anos

Onde nasceu?

Em Guarulhos/SP, aos 30 de Agosto de 1989

Como foi sua infância? Como era sua rotina?

De família humilde, minha infância foi como de muitos, pés descalços na bola, correndo atrás de uma partida, subindo em árvores, correndo pela rua, uma criança alegre, cheia de energia!


Como a deficiência física entrou em sua vida?

Em 9 de setembro de 2009, (09/09/09) quanto nove, rs... estava no comércio da família de minha namorada,, quando entrou um sujeito, pediu para mim levantar e ir chamar meu irmão, falei que não iria, ele sacou uma arma e desferiu 7 tiros, fui levado para o hospital e lá constataram que uma das balas havia atingindo minha coluna, causando uma lesão.


Qual a sua deficiência?

Paraplegia, nível T6 asea B


Você se sente diferete dos outros?

Não!


Você se arrepende de alguma coisa que fez ou deixou de fazer? Porque?

Olho para trás e não me arrependo, aproveitei intensamente cada minuto da minha vida, de cada fato ou acontecimento busquei o aprendizado. Acho que temos que estar sempre curtindo a vida! Ela é bonita de se viver! Não podemos ter vergonha de ser feliz!


Qual o seu maior sonho?

Bem falar em sonhos sempre é complicado, mas se eu ficar aqui a falar, de carros, casas, viagens, dinheiro estarei falando daqueles sonhos que passam em nossas mentes quando vamos a lotérica fazer aquela fezinha, mas o meu sonho hoje é um pouco diferente, já que a pergunta foi sobre o MAIOR sonho, o meu é voltar a andar, voltar a jogar futebol, voltar a viver as emoções e sensações que faziam parte da minha vida e hoje estou privado! Meu sonho é esse, uns passinho pra correr atrás da bola!


Do que você tem medo?

Ih, falar de medo! Oh! Meu medo parece bobo, parece infantil! Medo do escuro! Mas galera não falo do simples medo de dormir no escuro, esse já superei! Rs... tenho medo da escuridão humana, medo da solidão, medo da indiferença, de estar em um mudo escuro, gelado, sozinho, sem pessoas, sem companheiros, sem vida. Privado daquele calor humano, recluso da luz da vida! É, tenho medo dessa escuridão! Fui claro!?


O que você aprendeu ou se tornou melhor com essa nova realidade?

Acho que na vida estamos em um constante aprendizado, acho que cada dia nos ensina novas coisas, e se prestarmos atenção nas lições recebidas podemos crescer e nos tornar uma pessoa melhor, mas com a lição aqui aprendi primeiro a dar valor a vida, que hoje podemos estar ótimos,e amanhã todas as nossas certezas foram roubadas, nossos sonhos engavetados, aprendi também que dificuldades existem para todos, cada qual recebe a que agüenta carregar (desculpa mais sou fóda!), e uma coisa muito importante aprendi a ser humilde, isso não tem preço!


Do que você sente mais falta? O que foi mais difícil?

Sinto falta daquela rotina de domingo, galera reunida, uniforme, meião, chuteira, bola rolando, comemorando o gol, sinto falta desta energia, sinto falta da comemoração, sinto falta dos meus feitos, a cerveja entre amigos, os comentários pós partida, os reconhecimentos! Sinto falta deste calor, desta luz! Admito que antes achava ter 1001 amigos, hoje sei que sempre tive 4 amigos. O momento mais difícil que me recordo foram os dois meses internado, sucessivas cirurgias, tratamentos, duvidas e incertezas, é uma barra, mas passou galera, to aqui!

Você acha que o Brasil, de uma maneira geral, é um país preparado estruturalmente para oferecer uma vida normal para os deficientes físicos? Porque?

Não!
Primeiramente é importante compreender que a pessoa com deficiência física necessita de atenções especiais, é importante um tratamento adequado, que em nosso país demanda ter muito dinheiro, já que o público é precário, na verdade é ridículo e humilhante, fisioterapia não é luxo, é necessidade quando se fala em qualidade de vida, dignidade, locais acessíveis não prejudicam a ninguém, mas a falta de acessibilidade impede e constrange o ir e vir do deficiente físico, é difícil um lugar que é pensado para receber o deficiente físico, nosso país e nossos governantes nem sabem direito o que é um deficiente, quais as necessidades deles, e porque elas existem. Cabe também uma mudança na mente do próprio deficiente, que não é em casa escondido que vamos lutar pelo acesso, pela dignidade, pelo respeito. Sou pessoa como qualquer um, gosto de ir a bares, restaurantes, lojas, shoppings supermercados, órgão públicos, motel, já ia me esquecendo mas para quem não sabe deficiente também faz sexo, namora, tem prazer e da prazer, rodar em nossas calçadas é quase um rally de irregularidade, quem dera a aventura de entrar nos locais!


E o Brasileiro? Aceita ou rejeita quem é diferente?

O Brasileiro tem fama de ser boa gente, de receber bem, de ser amigo de todos, mas quando o diferente se faz presente os olhares são inevitáveis! Por curiosidade, por dó, sei lá, mas que os olhares existem, existem! Quando você precisar usar o transporte público, quando você está na rua com sua namorada que é andante, qualquer demonstração de afeto causa espanto. Acho mesmo que isso faz parte, nós deficientes em sua grande maioria se esconde em casa, assina a sentença de clausura e morte, e para sociedade aquele que como eu, é apaixonado pela vida, sai, da a cara a tapa, enfrenta os buracos pra buscar a felicidade, é novo! Mesmo espanto de quando alguém vê um carro novo na rua, um modelo inédito! Aposto que quando você ver uma Ferrari passando na rua vai olhar, me sinto assim, uma Ferrari conversível! (a modéstia é uma das minhas características), mas não sei se por ser jovem, as pessoas são solidárias, podem até se espantar um pouco, mas oferecem ajuda e são simpáticas, sorte ou não, o preconceito acho que começa na gente!


O que precisa mudar?

Como falei, a primeira mudança que precisa existir é na atitude do próprio deficiente, ele tem que ter postura, sair, lutar de igual pra igual, a acessibilidade tem que existir, mas só existirá quando todos estiverem na rua, não pense que vão adaptar uma cidade inteira só porque um cadeirante quer! A mobilização tem que ser de todos, todos têm que lutar pelo que é Lei, todo cidadão tem direito a ir e vir, somos livres, não estou preso em uma cadeira, este pensamento é para aqueles de mente pequena, ela me liberta da minha incapacidade de mover as pernas! Hahaha... Sou livre, basta mudar seu ângulo de visão, a cadeira é libertadora, a cadeira é linda, a cadeira é o máximo! Graças a ela eu posso ir e vir, a sociedade que se acostume e aprenda a lidar, só quero o que é meu por direito, os outros são os outros e só!


Você acredita que a inclusão social funciona com o apoio da sociedade, do governo, do deficiente ou de todos?

Acredito que a inclusão social funcionará com o apoio de todos, quando todos os grupos estiverem voltados para o crescimento, mas não adianta pensar em inclusão do deficiente se o próprio se exclui da sociedade!



Todos nós somos um pouco preconceituosos". Você concorda com essa afirmação? Porque?

Legal ser abordado este tema, é polêmico, mas muito importante de ser lembrado, falando em lembranças vem o meu passado, eu mesmo já tive atitudes preconceituosas ligadas a pessoas com deficiência, me lembro de um episódio em particular, antes da lesão, estava em uma “balada” quando vi um cadeirante com uma menina e comentei com um amigo, “o moleque nem anda e está com uma gostosa daquela!” Me causou espanto, fiquei surpreso, achei diferente, achei que ele era menos do que eu, pra mim só se andava com pernas! Hoje sei que qualquer pessoa merece amor e, pode dar amor! O sentimento não estão nas capacidades motoras, e sim nas qualidades pessoais! Resumindo, CONCORDO!

Como é o dia a dia de um cadeirante?

Vamos levar para um lado mais divertido, mais cômico, diria um tanto quanto “aventuresco” a saga começa com as seções de fisioterapia, faço três vezes por semana, na rede pública de São Paulo, cavalo dado não se olhas os dentes então bora seguir a saga, acordar cedo, bem cedo, muito mais cedo que todo mundo, pra dar aquele trato no “visu”, fazer um xixi adaptado, esperar pelo meu motorista! 5hs da madruga tá o meu chofer, carrão adaptado, borá pular pra dentro e seguir o caminho, começo minha seção as 7hs, rola, sobe, desce, empurra, puxa, aperta, estica, senta, levanta, ops um tombinho que é pra descontrair! 9hs tarefas cumpridas, hora de partir, não! Meu chofer só passa as 11:30, acho isso tão divertido, minha sorte que espero sentadinho no meu trono! E não tenho que ceder lugar pra ninguém! Ufa!
Outra coisa muito divertida na vida sobre rodas são os banheiros! Cada qual tem seu ar de exclusividade, mas todos em comum, não contam com fechadura, acho que tem medo que o deficiente se afogue, só pode! Aí é aquela diversão, né!? Fazer xixi adaptado é diferente, um dia ensino pra vocês, mas ai vai, com uma mão você segura a porta de algum jeito que normalmente não tem fechadura, e com outra você segura seu pinto! Pronto dá a descarga, se arruma e sai, ótimo encontro a pia, ou ela é alta demais, ou a cadeira não encaixa, o sabonete normalmente está perfeitamente fixado no alto ou longe, de forma que temos que fazer um exercício para alcançá-lo, papel fica no alto também! Anti Criança, Anti cadeirante! Legal... posso sair!!! Uffa! Mais uma realizada! Sei que sou William e nada pode me deter! Hehehe..
Acho que aventura e emoção estão intimamente ligadas a esse estilo de rodar, nada melhor para sentir a adrenalina correndo em suas veias sinto até meus pesinhos, aí entram os famosos tombos! Quem nunca levou, não sabe o que é ADRENALINA NA VEIA!? Delícia! Existem vários, aqueles que o álcool dá aquela mãozinha e, lá vamos nós ao chão; aqueles que alguém muito prestativo resolve te dar aquela força com a cadeira, só que esquece de desviar dos buracos! Tchan tchan tchan... vai o Willzinho aqui pro, chão! Tipo um monje tibetano! Faço uma prece rápida, peço o resto do percurso sem emoção, uma manobrada, um impulso e estou de volta ao lugar que não tinha programado sair! Tem sempre aquela mão amiga pra dar uma forcinha quando o assunto é Chão! Há existem aqueles tombos assim, sem explicação, você sozinho, na varanda da sua casa resolve virar e começa o funk, Chão, chão chão... chão chão chão! Se da certo tu pula pro trono, se não borá usar a garganta que continua ótima! OOOOOOOOWWWW!! Quem molhou a #%&@$ do chão!?!?!? Vem me ajudaaaaar!!!
Mãe é algo especial, mas especial mesmo, em tudo que faz, até quando está com você, resolve dar aquela força com a cadeira, como buraco e obstáculo em calçada é o que mais temos, minhas rodinhas TRAVAM, e mais rápido que tudo a mãe solta aquele frase de impacto: “Seguraaa! Ai meu Deus!” acho que o susto é maior do desespero dela, do que a possibilidade eminente de um tombo! Até porque com o grito dela, eu grudo na cadeira que quero ver quem me tira! A rotina é engraçada, só levar na esportiva, tocar a cadeira que o mundo está em constante movimento e evolução, e não quero ficar pra trás! Tenho que ultrapassar muito retardatário ainda! Que fila não é pra mim!


Certa vez ouvi dizer que o contrário de AMOR não é o ÓDIO, é a INDIFERENÇA. Você sente que muitas pessoas são indiferentes quando se deparam com um deficiente físico?

Bem, não vou falar que saio na rua e todos caem aos meus pés morrendo de amor, mas também fica longe da indiferença. Talvez pelo fato de ser jovem, cuidar da minha aparência, ser simpático, minha atitude faz com que os outros olhem de uma forma positiva para mim! Recebo bom dia, recebo sorriso, paquero e sou paquerado! Acho mesmo que a maior barreira está na mente, nas atitudes do próprio deficiente e não na sociedade, eu ando sobre rodas, outros sobre saltos, sapatos, tênis, chinelos, cada um uso o que precisa para andar, e no momento tenho 4 rodinhas!


O que você diria para alguém que tem algum tipo de limitação física? Qual é a sua dica para viver com isso?

Deixo meu jeito de viver, viva cada dia, faça o que sua mente pedir para você fazer, não viva seus dias pensando o que os outros vão achar de você, o mais importante é o que eu penso de mim, o que eu faço para mim, o que eu construo para mim! Pense no Bem, pratique o Bem, e assim todos estarão a sua volta porque você é do BEM, e esse é o bem mais preciosos que podemos ter, DEUS no coração, AMOR, FAMILIA, AFETO, e AMIGOS

William por William Lopes Trindade?

Essa pergunta não podia faltar, bem William um moleque marrento, cheio de gana, de energia, de vida! Faltava humildade, mas a vida me ensinou, hoje William Lopes Trindade tem humildade, descobri o que é AMOR e o que é AMAR, sei que todos que estão e estiveram comigo nessa batalha, estiveram por amor, sem esperar nada em troca. Nos piores momentos de confusão, de aceitação, de revolta, estiveram presentes, nunca me deixaram, sempre fizeram eu enxergar e entender que se estou assim é porque sou forte para vencer! Agradeço todos os dias a Deus por ter me presenteado com esse Lopes Trindade, que Will tem muitos, mas com essa galera, sou só eu! Viver a vida e não ter vergonha de ser feliz, cantar a beleza de ser um eterno aprendiz, eu sei que a vida ser bem melhor e, SERÁ, mas isso não impede que eu repita, é Bonita, é Bonita, é Bonita!!!



   

3 comentários:

  1. O blog ta de parabens, adorei a entrevista, me vi em varias dessas situações..rssss
    Continue assim...abraços

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  2. NuOooossa Show de Bola em Zika...
    Arrepiou!!!

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  3. Muito Bom este papo!
    É bonito de se ver essa postura!
    As sombras podem assustar como podem proteger!!!
    Parabéns pela garra, continue a trilhar seu caminho, olhe sempre o alvo que você quer alcançar, siga que ele chegará!

    Parbéns! Show!

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